Eu ganho mais dinheiro que ele!

Libby Anne é uma bloguista americana que conta, no seu blogue Love, Joy, Feminism, uma experiência pessoal extraordinária. Foi criada nas profundezas das seitas mais radicalmente fundamentalistas, em que os homens detêm autoridade absoluta sobre as mulheres, estas devem ficar em casa e ter o maior número de filhos possível, os quais devem ser educados em casa, à espera da segunda vinda de Cristo — mas rompeu com todas essas ideias e hoje é ateia e feminista. O seu blogue procura ajudar as pessoas que fogem desses cultos estranhos e opressivos. Resolvi traduzir este artigo, pela sua clareza e atualidade, mesmo no nosso contexto. Link do texto original: “I Make More Money Than He Does”

O blogue de Libby Anne faz parte da divisão ateia do portal Patheos, um local vocacionado para o debate de assuntos filosófico-religiosos.


Esta quadra, cometi o erro de falar em roupa suja à mesa do jantar em casa dos pais do Sean. O Sean pode não ter crescido no mundo da patriarquia evangélica em que eu cresci, mas a sua mãe não trabalha fora de casa e os seus pais sempre aderiram a uma divisão de trabalho entre os géneros bem tradicional, por isso eu devia ter pensado melhor. De qualquer modo, eu só queria saber se o Sean tinha carregado uma máquina de roupa como se tinha comprometido, e dar-lhe a saber que teria que acabar isso na manhã seguinte, porque eu ia sair com a irmã dele.

"Nunca lavei roupa na minha vida", declarou o pai do Sean, recostando-se e sorrindo, como se o seu comentário fosse engraçado.


O ar na sala mudou e eu senti o peso de tudo o que não era dito. Eu estava a ser considerada uma mulher mandona e egoísta que forçava o seu marido emasculado e fazer tarefas "de mulher" como lavar a roupa. O Sean estava a ser considerado um homem agarrado às saias da mulher, incapaz de se impor contra as suas ordens tirânicas. Começou-me a ferver o sangue.

Eu ganho mais dinheiro que ele.

A sala ficou de repente em silêncio. Eu tinha só pensado ou tinha mesmo dito aquilo?

"Eu ganho mais dinheiro que ele", repeti. A minha voz tinha um tom de confiança que só a cólera consegue inspirar e o meu queixo levantou-se contra todas as críticas. "Se partilhamos o dinheiro, faz sentido que partilhemos as tarefas da casa como a lavagem da roupa e os cuidados das crianças. É apenas bom senso. Não estou a tentar ser má nem nada, mas na verdade ganho mais dinheiro que ele". Havia chispas nos meus olhos. Estava furiosa.

Pedi desculpa mais tarde ao Sean, no caso de os meus comentários o terem embaraçado em frente dos seus pais. Ele disse que não fazia mal — eu creio, a sério, que ele gosta de ver as chispas que saltam quando eu enfrento o pai dele. Na verdade, o Sean tem orgulho em mim. Tem orgulho no meu sucesso, tem orgulho na minha capacidade de me aguentar numa discussão e tem orgulho na minha paixão. Disse-me que o seu pai passou o resto da noite a gozar com ele por ganhar menos dinheiro que a mulher — tudo na boa, é claro. Mas também me disse que honestamente não o aborrece que eu ganhe mais dinheiro que ele.

Tudo o que eu consigo pensar é, que espécie de mundo é este em que vivemos em que os homens que ganham menos que as suas mulheres são ridicularizados e em que se espera das mulheres que trabalham a tempo inteiro que ainda tratem de toda a roupa da família? Como pode alguém pensar que isto é bom para as mulheres ou para os homens? Gostaria de pensar que as coisas serão diferentes para a minha filha em idade de infantário Sally e o meu bebé Bobby, quando crescerem, mas começo a duvidar se nós, como sociedade, alguma vez acabaremos com estes padrões. Entretanto, acho que vou ter que continuar a escandalizar o pai do Sean!





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